Tinta Gástrica - ou Memórias da Gastrite
Esse blog é produto de um processo dialético. Uma cadeia de relações complexas e contraditórias entre a produção de espasmos estomacais e poesia. Esse é o devir da minha úlcera.
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Pérsia
_ Oi Manu, bom dia! "vaca" Ai, amiga, você acha que eu estou gorda?
_ Bom dia. Que isso Pérsia, você está linda. Vai encontrar o Adriano hoje?
"mentirosa" _ Ai, eu estou feia? Ele anda tão estranho comigo. Ontem ele me disse que precisava estudar mas a voz dele no telefone tava tão diferente que eu achei que era comigo, ele não me procura, não me liga, a gente só se vê quando eu procuro, só se fala quando eu ligo, ai, acho que esse namoro não está bem...
_ Calma, Pérsia, você é linda, é que o Adriano está em semana de provas. Não se preocupe...
"Eu percebi como você olha pra ele" _ Você sempre fica ao lado dele contra mim, nem parece minha amiga! Estou cansada disso, sabia? Agora vai defendê-lo também? Ele é super desleixado comigo, não me dá valor, nunca me dá um presente. Nem uma lembrancinha! Não peço nada caro, só quero que ele se lembre de mim, pô! Me diga, eu mereço um namorado assim?
_ Então termine com ele, oras!
"Eu sabia!" _ Ai amiga... mas eu amo ele...
_ Então tenha paciência, espere essa semana passar e converse com ele. Mas converse direitinho que eu sei que ele vai entender.
"Semana que vem vou estar de TPM" _ Ok, amiga. Até mais, vou nessa agora. Fui.
"Vaca, quer que eu termine com ele! Quer que eu converse com ele durante a minha TPM. A MINHA TPM!! Ela sabe que eu fico louca na TPM" "Ai, tenho que emagrecer três quilos" "Será que ele vai gostar dessa roupa, acho que engordei"
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
A casa colonial tinha telhados velhos. E três lindas mulheres que a faziam de república. Eram mulheres, mas falavam como meninas, se moviam como meninas e adoravam que as vissem como meninas. A misteriosa república ficava em frente a uma pensão, uma outra casa de muros brancos e janelas azuis de madeira corroída.
A pensão era habitada por 33 meninos. Se comportavam como meninos mas queriam que os vissem como homens. Prova irrefutável de masculinidade, diziam eles, era o número e a qualidade dos corpos femininos que possuíam na faculdade.
Logo que a república vizinha foi descoberta - não demorou muito - as três vizinhas tornaram-se motivo de fantasia e disputa na pensão.
Nossa história começa no dia em que Rui descobriu que Manuella gostava de chocolates.
Rui tinha 19 anos, estudara em escola pública toda a vida e passara para o faculdade de Letras através da reserva de vagas. Tímido, negro e franzino, não era o que as mulheres achavam mais atraente. Sua cabeça tinha a metade da largura dos ombros - não que tivesse um enorme crânio, coitado, mas seus ombros eram deveras arqueados e encolhidos - seus braços eram finos e suas mãos grandes. Seu tórax era levemente convexo, tinha pernas de varapau.
No dia em que Rui descobriu que Manuella gostava de chocolate, estava marcada há mais de um mês uma prova de Semiótica e Rui passara noites em claro se preparando para ela. Sua escrivaninha ficava em baixo da janela do quarto que dividia com mais quatro rapazes que roncavam mais baixo do que falavam.
Nosso herói franzino trocou de roupa em frente a janela aberta naquela manhã. Enquanto Rui se jogava dentro das calças, Manuella penteava os cabelos em frente ao espelho, espiando com o canto dos olhos a cena engraçada que se desenrolava do outro lado da rua.
Na pensão, Rui procurava - já atrasado - sua camisa de botões em um bolo de roupas num canto da cama. Levantou-se com pressa, bateu o crânio na beliche, abotoou o primeiro botão errado, desabotoou, abriu os braços, fechou os olhos e disse:
_ Calma, respire fundo. Desse jeito você vai perder a prova.
Rui abriu os olhos. Do outro lado, rindo, linda e ruiva estava Manuella. Cabelos penteados, sardas pequenas no rosto. Olhos verdes. Lindos olhos verde-esmeralda, magra de seios médios mas fartos. Em sua boca pintada de batom abóbora-claro um crocante chocolate acompanhava um copo de leite. Era seu desjejum. Rui fechou a camisa as pressas, calçou o tênis velho e saiu pedalando o mais veloz que pode pelas ruas de Niterói.
"Ela gosta de chocolate" pensou Rui. E aquela manhã lhe foi ótima.
quinta-feira, 26 de julho de 2012
Prólogo
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Porque ainda sou um homem
Não tenho muito o que dizer sobre ela. Embora sofra do fígado, acho que também estou mal das artérias, meu estômago não está bem. Penso em procurar um médico.
Acho que pulei essa fase.
Está na hora de me preparar para a morte. A velhice é o velório que podemos participar. Devia escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore... Porra nenhuma. Se tiver que deixar algo para essa vida que (apesar de mim) continua, que seja vazio, um nada. Que não se lembrem de mim.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Porque sou o homem mais vil da Terra
_ Sr. Hermeto, dirija-se à sala do diretor.
Maldito xará, maldito dia. Em conseqüência desse episódio lamentável, tornei-me o principal alvo de piadas na escola, não havia dia em que após a chamada algum fedelho não fizesse qualquer piadinha infame. Em troca, eu também inventava apelidos para os colegas, mas nem nisso eu era bom, eram alcunhas péssimas, fora de contexto e infantis demais ainda que maldosas.
Então virei um adolescente frustrado. Não era bom aluno, não era bom nos esportes e as meninas não me queriam porque sempre fui tão feio quanto meu nome. Minha principal fonte de prazer, além da masturbação, era passar trotes por telefone. É inenarrável, como um bom orgasmo, o prazer que sentia ao desligar o telefone antes que minha vítima pudesse responder algo mais ofensivo, perspicaz ou inteligente.
Nessa época eu quis descobrir o satanismo, pensei que o fato de eu ser tão boçal se devia a algum motivo luciferista. Fui à livraria mais próxima, na seção "exotéricos" e comprei desde livros do Paulo Coelho até o manual de magia negra de São Cipriano. E pasme, caro leitor, trancafiei até o Brida em um baú para nunca lê-los, pois tive a sensação de ser seguido da rua até minha casa. Imaginei que fosse um espírito, o demônio talvez? Fato é que na primeira noite não consegui dormir de medo, então tirei o baú do meu quarto e os escondi no sótão para nunca mais vê-lo.