quarta-feira, 15 de agosto de 2012

CHOCOLATE

A casa colonial tinha telhados velhos. E três lindas mulheres que a faziam de república. Eram mulheres, mas falavam como meninas, se moviam como meninas e adoravam que as vissem como meninas. A misteriosa república ficava em frente a uma pensão, uma outra casa de muros brancos e janelas azuis de madeira corroída.

A pensão era habitada por 33 meninos. Se comportavam como meninos mas queriam que os vissem como homens. Prova irrefutável de masculinidade, diziam eles, era o número e a qualidade dos corpos femininos que possuíam na faculdade.

Logo que a república vizinha foi descoberta - não demorou muito - as três vizinhas tornaram-se motivo de fantasia e disputa na pensão.

Nossa história começa no dia em que Rui descobriu que Manuella gostava de chocolates.

Rui tinha 19 anos, estudara em escola pública toda a vida e passara para o faculdade de Letras através da reserva de vagas. Tímido, negro e franzino, não era o que as mulheres achavam mais atraente. Sua cabeça tinha a metade da largura dos ombros - não que tivesse um enorme crânio, coitado, mas seus ombros eram deveras arqueados e encolhidos - seus braços eram finos e suas mãos grandes. Seu tórax era levemente convexo, tinha pernas de varapau.

No dia em que Rui descobriu que Manuella gostava de chocolate, estava marcada há mais de um mês uma prova de Semiótica e Rui passara noites em claro se preparando para ela. Sua escrivaninha ficava em baixo da janela do quarto que dividia com mais quatro rapazes que roncavam mais baixo do que falavam.

Nosso herói franzino trocou de roupa em frente a janela aberta naquela manhã. Enquanto Rui se jogava dentro das calças, Manuella penteava os cabelos em frente ao espelho, espiando com o canto dos olhos a cena engraçada que se desenrolava do outro lado da rua.

Na pensão, Rui procurava - já atrasado - sua camisa de botões em um bolo de roupas num canto da cama. Levantou-se com pressa, bateu o crânio na beliche, abotoou o primeiro botão errado, desabotoou, abriu os braços, fechou os olhos e disse:

_ Calma, respire fundo. Desse jeito você vai perder a prova.

Rui abriu os olhos. Do outro lado, rindo, linda e ruiva estava Manuella. Cabelos penteados, sardas pequenas no rosto. Olhos verdes. Lindos olhos verde-esmeralda, magra de seios médios mas fartos. Em sua boca pintada de batom abóbora-claro um crocante chocolate acompanhava um copo de leite. Era seu desjejum. Rui fechou a camisa as pressas, calçou o tênis velho e saiu pedalando o mais veloz que pode pelas ruas de Niterói.

"Ela gosta de chocolate" pensou Rui. E aquela manhã lhe foi ótima.